sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Efabulação

Um grafite, mesmo coberto pela tinta, ainda existe. Lá, detrás das camadas, as cores se escondem. Os traços e as linhas. Uma rasura secreta. Um arranhão na superfície e seus rizomas surgem. Dessa forma, a arte, sedimentada, se mostra. Mas a arte não é um sedimento fixo, estanque. É algo movediço. Este é um paradoxo: a arte se mostra quando lhe cobrem de cinza. Pois no gesto de escondê-la, ela transborda. Nesse transbordamento, ela toma o caminho do vento, da chuva, dos homens e mulheres que nela se inspiram. A imagem efabula tanto quanto a palavra.

Um garoto palestino caminha ao lado de um grafite do artista britânico Bansky, ao longo do muro Israelense. Foto: Ammar Awad/Reuters

                                              
Uma imagem é sempre uma recordação. Para Alberto Manguel (2009), uma fotografia, uma pintura, um grafite são presenças vazias que só podem ser completas com o nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. As imagens que produzimos traduzem quem nós somos. Talvez a arte nunca consiga derrubar os muros. Mas ela nos ajuda a pensar que tipo de fronteira construímos: um muro alto e cinza? ou um muro rasurado com nossos desejos? Um muro pode impedir nossas travessias. Mas uma imagem no muro nos faz enxergar o horizonte do outro lado.

Uma imagem é sempre incompleta. É fugidia. A imagem também é verbo.